Noite
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
Mais uma vez encontro a tua face,
ó minha noite que eu julguei perdida.
Mistério das luzes e das sombras
sobre os caminhos de areia,
rios de palidez em que escorre
sobre os campos a lua cheia,
ansioso subir de cada voz,
que na noite clara se desfaz e morre.
Secreto, extasiado murmurar
de mil gestos entre a folhagem,
tristeza das cigarras a cantar.
Ó minha noite, em cada imagem
reconheço e adoro a tua face,
tão exaltadamente desejada,
tão exaltadamente encontrada,
que a vida há-de passar, sem que ela passe,
do fundo dos meus olhos onde está gravada.
Em Poesia/ Sophia de Mello Breyner Andresen, 5ª edição,
Editorial Caminho S.A., Lisboa, Portugal, 2005, pág. 10.